A TV virou Cinema e o Cinema virou TV

By Eduardo Albuquerque - 12/11/2017




Essa paráfrase de Antônio Conselheiro que dá o título ao post foi dita por alguém outro dia - não consigo lembrar quem - e ficou na minha cabeça. De cara achei um exagero, mas depois que pensei melhor, vejo que é bem por aí mesmo...

A primeira parte da frase já virou lugar comum. Mas no "superficial". Fala-se como as séries tem orçamento gigante e preocupação estética e histórias incríveis. Em muita parte, trata-se de abdicação de um preconceito de quem fala, pois a TV (nos EUA, pelo menos) já gera tudo isso há muito tempo. Enfim, já falei aqui neste post como tenho bode da suposta "revolução da TV a cabo", pois não faz justiça a todo o trabalho feito anteriormente na TV aberta.

No entanto, é verdade também do ponto de vista que interessa, que é o storytelling - afinal, tudo que todos numa produção de filme ou seriado fazem é contar uma história. Mais e mais a forma de contar uma história na TV se assemelha à que previamente era comum no cinema. A maioria das séries estão blocando suas histórias como um filme de 10 atos. Há uma história maior que vai se desdobrando em pequenos filmes de 1 hora cada. Fora a predileção por conteúdo original.

Já a segunda parte da frase apenas recentemente - com a indústria cinematográfica passando a investir quase que exclusivamente em propriedades intelectuais já estabelecidas - se tornou uma realidade. Mas se tornou! Agora é no cinema que vemos um "universo cinemático" sendo explorado. São os heróis da Marvel e da DC, o Star Wars, as sequências de propriedades de qualquer grande estúdio... É lá que encontramos o storytelling clássico da TV, onde temos uma espécie de "repetibilidade" estabelecida, temos um "monstro da semana" e a história do episódio específico é resolvida em uma tacada só - o "stand alone" - sem deixar de abrir espaço (geralmente na cena pós-créditos) para uma possível sequência.

Por que essa inversão?

Análise minha, nunca vi ninguém falando isso especificamente, mas acho que finalmente chegou-se a um ponto ótimo da relação de mercado do produto audiovisual. Veja bem; o cinema está aí há mais de século. Porém, antigamente a noção de tempo era diferente. Você tinha uma capacidade menor de escoamento dos produtos (contra mais salas de cinemas e TV e TV a cabo e VOD e o escambau hoje em dia) e um tempo lógico de consumo maior. Um fenômeno cultural durava. Hoje, com tanto estímulo e tantos meios, a efemeridade vem rápido. Mas é uma via de duas mãos: se enjoa rápido, também não demora pro "antigo" voltar a ser "novidade"; nada realmente massifica. Explicando e exemplificando isso tudo numa frase só: Hoje um filme do Star Wars entra em cartaz de 1 em 1 ano; antes um filme de Star Wars ficava em cartaz por 1 ano. Então, acredito que hoje temos os "meios" para fazer a roda do consumo, da instigacão do desejo de compra ser rápida e, do outro lado, temos "produtos" suficientes estabelecidos para este consumo, agradando os quatro quadrantes de público.  Com isso, a industria percebeu que podia viver destes produtos, destas propriedades intelectuais pré-estabelecidas, o que geralmente traz menos risco do que um filme de idéia original na hora de ativar o interesse do público e levá-lo ao cinema. Sendo assim, a narrativa acompanhou a natureza do consumo. O roteirista deve pensar que aquele filme faz parte de "algo maior", mas que deve trazer satisfação e conclusão na hora de rolarem os créditos.

Já a mudança recente da TV, copiando a moda antiga do Cinema certamente se deu por causa do crescimento absurdo do número de produções e da quebra do modelo antigo onde o espectador não tinha muito poder de ação quanto ao cosumo. Com tanta oferta e com o espectador assistindo como e quando bem entender, você tem que ir pro tudo ou nada narrativo pra que te assistam e dali você consiga fazer algum dinheiro, certo? Passa a ser tal qual era o cinema, um esforço narrativo sem muita consequência com o amanhã (onde amanhã = muitas temporadas), pois o amanhã só vem se te assistirem. Então você tem que manter aquela morfina descendo no fio, irmão! Senão já era. E nada desperta mais curiosidade que não o que é novo e original, certo? 

Do ponto de vista criativo, confesso que não gosto. Acho que ambas as formas poderiam ser vistas em ambos os meios, sem que fique essa massificação de um ou de outro. É também sinal dos tempos em que vivemos, desta caída polarização de ou isso ou aquilo. Gosto da diversidade. Mas não podemos esquecer que é uma indústria e, como tal, ela tem como interesse o lucro e o lucro é preto-e-branco. Portanto, fiquem atentos a essa tendência, pois, enquanto minha preferência individual pela diversidade não for preferência da maioria, vai ser assim que a banda vai tocar.

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