Fontes da indústria apontam que a Disney está em avançada conversa para comprar a 20th Century FOX e isso é uma triste notícia não só para todos que trabalham com audiovisual, como também para quem apenas o consome.
É de doer ver que a cobertura que as "novas mídias" fazem do fato se concentra na ânsia fan boy de, com isso, poder haver a integração dos X-Men no "Universo cinemático da Marvel" Studios. Não só estamos falando do fim de um estúdio com mais de 100 anos de grande história no cinema e na TV, como estamos falando de uma problemática questão capitalista que pode ferir (e muito) a indústria.
Essa é uma constante: a história da humanidade é cíclica. E acho que o mundo capitalista quase que determina que assim o seja. No começo do cinema americano, os estúdios agiam quase end-to-end; era o tanto o lugar físico onde gravava o filme quanto o exibidor, através das salas de cinemas das quais eles eram os donos. Mas logo perceberam que era melhor parar com esse protecionismo, pois, assim, seus filmes, podiam passar em regiões onde eles não tinham tantas salas. Passaram a viver num estilo mais "federalista", onde cada um vivia sua especialização rachando o dinheiro; no final das contas acabaram todos fazendo mais do que fazia o mundo girar: money, bufunfa, dinaro.
Assim se manteve a indústria. Ocasionalmente um ou outro até arriscavam estar concomitantemente em duas linhas de trabalho (FOX tem seu estúdio, mas também tem seu canal, a rede de cinemas AMC além de suas salas, também criou um canal), mas não havia a obrigatoridade de exclusividade de conteúdo da sua companhia parente. Cada empresa com sua lógica, fazendo negócios com quem fosse...
Até que algumas rupturas de mercado aconteceram.
A internet e a mudança da forma como consumimos o conteúdo audiovisual foi a primeira. De repente, a TV sofre um baque financeiro, devido a evasão de verba publicitária (que é o que paga as contas) para a internet e também por conta da queda de audiência. A internet se desenvolve em matéria de velocidade e surge o VOD, que faz a chamada "syndication" da TV, onde você vende sua série antiga ou seu filme de catálogo para ficar passando em reprise, perder a atratividade tanto pro espectador, quando para o estúdio. Juntando isso tudo, a holding do estudio + canal, passa a, se não favorecer, pegar leve com os conteúdos que são "da casa". O, antes nervoso, dedo do cancelamento, agora passa a ponderar se não é mais interessante deixar a série rolar mais uma temporada, pois aquele programa vai bem no VOD - o que, na lógica de um canal que só lucra com a primeira exibição do programa, não fazia sentido. Resultado disso? Pequenos estúdios começaram a sofrer para colocar seus programas no ar, pois, logicamente, não tinham essa barganha.
A segunda mudança forte, que tem como produto também esta compra Disney-FOX, foi a consolidação da Netflix. Como eles chegaram num momento onde não tinha ninguém nessa plataforma (produzindo ainda por cima) e conseguiram passar a arrebentação, tornaram-se um commodity indispensável. Os caras, além das coisas deles, tem biblioteca giga, dando de volta pros estudios (e artistas) pouco perto do que eles faturam. O que aconteceu? Os estudios falaram: opa! peraí! Isso aí é concorrência. E os caras não dão de volta (as séries e filmes deles, em sua maioria, especialmente no início, eram exclusivas pra plataforma; não passavam em lugar algum além). E pensaram: temos um catálogo giga; por que não fazemos o mesmo? Estamos perdendo dinheiro!
A Disney já anunciou que vai retirar tudo do Netflix e montar seu próprio serviço de VOD (com Marvel, Disney, Pixar, ABC Studios... e agora, possivelmente, FOX; surreal), a CBS já estreou o dela, provavelmente vai pegar tudo que tá dentro do guarda-chuva da VIACOM. Ou seja, se antes o consumidor pagava uma TV a cabo com pacotes de várias opções, alguns levels de canais premiuns a la carte e tal, agora ele tá ferrado. Ele tem que pagar Netflix, daqui a pouco pagar CBS, Disney, NBCUniversal... estamos voltando para um momento menos "livre" de consumo de conteúdo. Limitando cada vez mais as chances de "encontrar algo que nem sabíamos que estávamos procurando".
Isso no ponto de vista do consumidor. No ponto de vista de profissional da indústria é ainda mais triste. Primeiro que toda compra-fusão sempre gera, inevitavelmente, cortes em massa. Inevitável. Segundo, que, pelo simples fato de diminuir um dos players de sua possível contratação, já é péssimo. É uma indústria com dificuldade suficiente para se entrar, não precisa agora ter menos opção, que se traduzirá em menos ponto de vista diferente, menos filosofia diferente, e, no fim das contas, pela menor concorrência, menos dinheiro para te oferecerem.
É bom deixar claro que este movimento não acontece só no cinema; faz parte de todo um momento cultural mundial, eu diria. Exemplo: no Brasil já vivemos isso com uma Globo sem qualquer ameaça das outras emissoras, devido a um aparato gigante de comunicação, certo? Graças a Deus pela ANCINE e as leis de incentivo que ainda resguardam um pouco e dão espaço para o difícil surgimento de players produtores fortes, porque com as mudanças recentes da Globo Filmes, ela avança seu monopólio para o cinema também. Aqui nos EUA há uma lei que proíbe que o mesmo grupo tenha num mercado um canal de TV e um jornal impresso, MAS o Partido Republicano está empurrando para que essa lei seja derrubada pelo FCC porque.... money, bufunfa, dinaro.
Estes últimos posts aqui da Sala tem circundado de alguma maneira neste tópico inevitável que o mundo tem nos trazido. É um momento onde em todo lugar parece haver uma luta contra a diversidade como um todo. É uma onda de polarização, de absolutismo filosofal, de busca por uma simplificação suspeita, pois o mundo não é nada simples. Às vezes você tem que perder pra ganhar, às vezes é melhor mesmo dar um passo atrás pra dar só dois à frente; às vezes 1+1 não é igual a 2.
Como disse; a História é cíclica e o capitalismo quase que pede essa virada ponta-cabeça para, daqui a pouco, isso saturar e, como nova onda, volte de alguma maneira a o que era antes. Mas é bem triste estar vivendo, neste caso, a parte debaixo da onda. Do caixote, da areia e espuma.
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