No final da semana retrasada a Microsoft fez um experimento via Twitter com um artifício de Inteligência Artificial que vinha desenvolvendo. A idéia era testar a tecnologia através de um perfil na rede social. Os "internautas" poderiam falar livremente com a tecnologia (batizada de "Tay"), que engajaria "naturalmente" numa conversa lógica através da coleta e cruzamento de informações da própria conversa.
O resultado? Em menos de 24 horas, a inteligência artificial foi "hackeada" e corrompida pelos internautas (Leia aqui). Tay foi de "animado para falar com humanos" para "temos que construir um muro contra o Mexico". E quando falo "hackeada" não quis dizer eletronicamente. Foi socialmente mesmo. Exlico: a inteligência artificial simplesmente replica as informações disponibilizadas e, se no caso, Tay rapidamente se transformou em um "ser" abominável, é porque a maioria das interações com Tay foram degradantes, condenáveis e lamentáveis. E isso é MUITO humano.
Por que estou falando sobre isso? Porque fora a lição de vida que é refletir sobre esse caso, acredito ser uma importante lição sobre histórias e roteiros: o monstro está sempre dentro de nós. O monstro somos sempre NÓS.
Os filmes de aliens não são sobre os alienígenas. Nem os de espírito são sobre aquelas almas. Os de desastres naturais, os monstros, animais, doenças.... são só manifestações para que olhemos para dentro de nós mesmos como humanos e reparemos nossos pecados. Tay e qualquer problema de robôs à lá Exterminador do Futuro acontecem porque eles replicam o nossso comportamento e a verdade é que nós, humanos, somos (ou pelo menos podemos ser) o pior tipo de monstro que existe, afinal somos a única espécie com poder de aprender e entender algo sem necessariamente termos experimentado esta coisa, somente fazendo o exercício empático de nos colocar no lugar de outra pessoa e, MESMO ASSIM, muitas vezes, preferimos não fazer este processo. Tay não é nem um pouco diferente dos políticos brasileiros; eles são nosso reflexo e não o contrário. Se eles são corruptos, só o são por sermos uma sociedade corrupta. Eles só estão replicando o comportamento aceitável do nosso circo social. Algumas culturas levam mais na boa, outras condenam mais; mas o ser humano como todo é corrupto.
Portanto, especialmente ao escrever roteiros sobre "forças maiores" (da natureza, do sobrenatural, do extra-terrestre) fique ligado no porquê desta história. Fique ligado no pecado que o humano cometeu/comete que "convida" e "perpetua" o monstro em questão. É a ganância (como em "Tubarão", quando o prefeito se recusa a fechar a praia porque é alta-temporada e a cidade vai perder dinheiro com isso)? É a curiosidade mórbida (como em "O chamado", onde as pessoas assistem a fita mesmo sabendo que outras pessoas morreram por assistir o tal VHS?) A infidelidade e a luxúria (como em "Atração fatal", quando Michael Douglas abre a porta para um monstro sedutor chamado Glenn Close que destruirá sua família)? Ou a corrupção (como em "The Cable Guy", quando Mathew Broderick molha a mão de Jim Carrey e, com isso, fica pra sempre ligado à ele)?
Estes filmes são bons quando se dão conta que as pessoas pelas quais nós torcemos são ao mesmo tempo vítimas e causadoras daquele mal. Podem até não ser diretamente (como Michael Douglas e Mathew Broderick que tomaram sozinhos as decisões do affair e do suborno), mas no mínimo são parte de uma sociedade que valoriza o pecado que levou à criação/liberação/potencialização daquele monstro. O monstro em si é geralmente uma força esmagadora, sem agenda, sem emoção. O verdadeiro monstro da história somos nós, humanos, que, mesmo com a capacidade de empatia e racionalização, preferimos nos entregar ao fácil caminho individualista e não-sustentável e acabamos por causar todo aquele problema; problema este que só será consertado quando, no meio das explosões, sustos loucos e fugas alucinantes, percebermos que independente da ameaça em questão, há algo fundamentalmente quebrado que deve ser revisto: nossa própria concepção de mundo. Não à toa, muitos dos finais destes filmes são alguma cena de "reconstrução" do que quer que estava quebrado.
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