O processo criativo de SANTO FORTE - parte 2

By Eduardo Albuquerque - 11/04/2015



NO ÚLTIMO EPISÓDIO: Marc falou sobre o percurso para que "Santo Forte", a primeira série brasileira original da AXN, entrasse em produção e também sobre como, especialmente para ele, um gringo radicado no Brasil há 15 anos, a natureza da escrita para TV se fez vital na hora de alcançar um resultado satisfatório. Além de uma pesquisa intensa, ele contava com uma poderosa arma: a sala de roteiristas!

Confira a segunda parte da entrevista agora:

Como era sua Sala de Roteiristas?

Nossa sala foi um pouco esquizofrênica. Logo depois da pesquisa aí no Rio, parecia que ia pintar um patrocínio para facilitar a produção em Salvador. Originalmente eu tinha dois destinos para o show; Rio de Janeiro e Salvador. Eram dois ambientes que eu achava que encaixavam com o espírito da história.  

Pela coisa toda da umbanda... 

Na verdade, hoje em dia, olhando mais friamente, eu acho que encaixaria em qualquer cidade do Brasil. De Porto Alegre até Manaus. É uma coisa muito brasileira. Mas eu vi o mais óbvio, pela questão religiosa, Bahia e Rio. Mas enfim... ia rolar este patrocínio, então eu trouxe um colaborador da Bahia e comecei a formar minha equipe pensando nisso. Só que pelo caminho acabou não dando certo essa história e voltamos para o Rio. Tinha muita re-escrita.  

Quem tava no seu time definitivo? E como era o ciclo de quebra de histórias e produção dos roteiros? 

Clarissa Rebouças, Donna Oliveira, Ana Luiza Savassi,
Denis Nielsen e Marton Olympio na Sala de Roteiristas
A primeira fase tinha 2 roteiristas (Marton Olympio e Denis Nielsen), eu, uma assistente (Ana Luisa Savassi) e uma pesquisadora/roteirista junior, a Clarissa Rebouças, que era da Bahia, mas eu trouxe pro Rio. Eu desenvolvi a temporada em 3 atos; não desenvolvi um arco geral da temporada. Isso foi um teste pra mim, porque no passado, em tudo o que desenvolvi, eu tinha sido muito metódico, sabe? Fiz todas as sinopses, arcos, montei a grade na parede... e só à partir da grade que partia para as escaletas dos episódios. Em "Santo Forte" eu quis tentar um método diferente, que eu sentia confiança pra deixar rolar um pouco mais e meu parceiro e principal produtor Roberto d'Ávila topou. Então desenvolvemos em 3 atos: primeiro do episódio 1 ao 4, depois do 5 ao 9 e por fim 10 ao 13. A Sala funcionava direto. A gente concebia os episódios juntos mais ou menos 10 horas por dia, 5 dias por semana. A gente quebrava os episódios juntos, escaletava juntos... ou seja, os movimentos importantes, algumas falas marcantes, história A, B e C etc. já estavam apontados. Uma vez que a gente fechou estes 4 episódios, a Sala fechou por 2 semanas e cada um ia pra casa com um episódio para escrever. Quando a Sala começou de novo, pros episódio 5 ao 9, eu trouxe a Donna Oliveira pro time e à partir do episódio 6 ela chegou a co-assinar todos os episódios e trabalhou comigo nos fechamentos. Virou meu braço direito. O Strong Number 2, como você fala; da escrita até o set. E aí criamos duas frentes de trabalho concomitantes: enquanto a Sala ia pra frente, repetindo o processo de quebrar os episódios 5 ao 9, eu também ia pra trás, re-escrevendo/fazendo a redação final dos episódios 1 ao 4. Depois disso ia para aprovação da Moonshot, Sony/AXN... recebíamos os notes e fazíamos mais re-escrita. Então era um processo bastante orgânico e movimentado; nunca parava. Pra você entender: quando estávamos começando as filmagens em Outubro, estávamos aprovando as escaletas dos episódios 10 ao 13 e escrevendo o episódio 5 ao 9 e acompanhando o set; um roteirista acompanhando a filmagem e outro na retaguarda. E depois fui pra edição, trabalhar nos primeiros cortes, porque como acompanhei a filmagem sabia o que tinha na mão. A Donna ficou no set dando apoio e os tapas finais nos roteiros, as notas do dia etc.

Na última fase entrou Daniela Garuti para trabalhar nos episódios finais. Eu queria trabalhar com a Dani antes, mas as agendas não batiam. Sorte que no final das contas as estrelas se alinharam.


O que era indispensável na Sala? O que tinha de comida? 

Ritmo intenso: a sala pegando fogo!
Além de uns bons quadros brancos, espaço nas paredes, uma boa TV e um sofá, eu diria que bons e incansáveis roteiristas. Vou ser bem franco; ainda estamos engatinhando com a cultura de Sala de Roteiristas aqui no Brasil. Não é comum ter uma sala com carga horária integral e um ritmo tão intenso quanto a gente fez. Até porque, devido às condições orçamentárias, a maior parte dos roteiristas trabalham em diversos projetos ao mesmo tempo. Mas voltando à Sala... É exaustivo. É tão exaustivo quanto a produção, quanto o set de filmagens. A minha sala, que eu monto, que eu trabalho; vejo como parte da produção. Quando a gente tava fazendo casting, estávamos fazendo os textos pro teste de elenco, assistindo os testes, envolvidos juntos com o Roberto, que acabou assumindo a direção geral além de ser produtor, vendo locações... estávamos super conectados à produção; o que não é tão comum. Isso devia ser regra e não exceção. Então, nesse sentido, a sala gira quase em ritmo de produção, mas não tem comida... não tem catering. A gente tinha uma vaquinha pra ter fruta, se não só comíamos porcaria e as pessoas traziam também sempre doces. Era uma vaquinha de... não lembro; 10 reais por pessoa por semana? E o assistente, que fazia a compra, não pagava. Era meio assim. (risos) Frutas, biscoitos e, óbvio, muito café. Isso não precisávamos comprar. (risos)  

O que é mais importante pra que um roteirista seja contratado para uma série? Ser um tremendo roteirista ou uma pessoa agradável de se estar por perto? Porque passa-se muito tempo com a pessoa e escrever em conjunto é quase terapia, né? Aquelas conversas, nas quais... a gente expõe muito, fala muito das nossas vidas, né?

E é onde sai o melhor material, Dudu. É como Las Vegas... o que é falado na Sala fica na Sala. Porque é muita exposição pessoal. É igual ator: pro ator conseguir convencer numa cena, ele precisa internalizar aquilo. Precisa aquela história - de uma forma ou outra - virar sobre ele. Conectar aquela história de alguma maneira com a vida dele. Pra nós, roteiristas, conectar com os nossos personagens, que muitas vezes são muito diferentes da gente, tem que conectar num nível mais emocional, mais... soft tissue, sabe? E isso nos expõe muito, porque pra chegar a isso você fala, expõe seus medos, experiências, expectativas, decepções. Uma das primeiras coisas que fiz na Sala foi pedir pra cada um falar quais foram as piores e melhores coisas que aconteceram com eles naquele ano. Com os amigos, com a família... e aí fomos vendo "po, isso é interessante; essa história cabe pra esse personagem". E aí a gente consegue escrever aquilo com autoridade. Não é uma invenção pura; vira 50% invenção, 50% verdadeiro. Já dá um equilíbrio que permite uma certa genuinidade.

Em busca da genuinidade: Marc com Seu Miguel,
um dos inúmeros taxistas entrevistados na pesquisa de "Santo Forte"

Mas respondendo a sua pergunta, eu acho que se não tiver uma boa atitude não tem como ficar. Eu não diria que é mais importante ser gente boa porque, óbvio que você tem que poder escrever; tem que poder contribuir na Sala. Trazer boas idéias. Agora: a escrita tem como ser trabalhada; mas ser desagradável todo dia? Não tem como remediar isso. É indispensável ter uma boa atitude, chegar sorrindo, porque isso levanta o outro; é a coisa de equipe mesmo, né? Não é todo mundo que tá todo dia no seu melhor momento, mas tem que estar, pelo menos, remando pra isso. O resto é o resto; um dia de repente você não tá rendendo muito, dando boas idéias... mas o outro está. E a Sala anda. E tem dias que toda a Sala tá com uma ressaca mental e nada anda.

E quando acontece isso, o que você, como Head Writer, costuma fazer? 

Hitting a wall... faz parte, né? Eu tinha uma ex que era artista plástica e ela dizia "pra esse quadro existir, a tela precisou ficar em branco por um mês". É um equilíbrio que você tem que buscar, porque tá lidando com esse processo de criação com um cronograma apertado - vamos combinar que o orçamento para criação ainda deixa a desejar na maioria das produções...  

Ô... 

Ainda mais considerando a necessidade do trabalho. Em conclusão: hit a wall é normal; ninguém consegue estar 10 horas por dia e meses consecutivos em seu "A Game", sabe? (risos) Mas aí é caso a caso; às vezes eu botava um video no youtube pra rir um pouco... raramente era "vai todo mundo pra casa, vamos voltar amanhã", porque o volume de trabalho é simplesmente grande demais. E acho que isso faz parte mesmo. Eu acredito que boas idéias chegam quando você dispensou todas as idéias ruins. E pra fazer isso demora. Pra você chegar a sonhar com o seu projeto demora. A não ser que você tenha um processo meditativo - o que eu ainda não aprendi - você não chega a sonhar com seus personagens pensando neles só 3 horas por dia. Não funciona. Muitas das soluções não vem durante o dia. Parece clichê, mas você vai dormir com um problema e acorda com uma solução. Acontece muito. Mas pra fazer isso, sua cabeça tem que estar cheia daquele assunto. É um pouco assustador, mas você tem que estar mais vivendo o universo daqueles personagens do que a sua própria vida! Aí as coisas começam a chegar com alguma fluidez. E isso tem um custo muito grande de tempo e energia emocional. Se você ler sobre os processos criativos das séries que a gente admira... é intenso. É intenso. O próprio David Chase ("The Sopranos") era famoso por falar pros roteiristas algo do tipo "Vem falar comigo só com a sua quarta idéia de como resolver uma situação". Pra chegar nessa quarta idéia tem que jogar fora pelo menos três idéias. Acho que nosso objetivo é sempre esse; entregar o inevitável, mas de uma forma surpreendente. Você pensa depois de ver um episódio de "The Sopranos", "Mad Men"... "isso era a única coisa que poderia ter acontecido", mas a gente nunca conseguiu prever aquilo. E isso é que é a viagem. O público embarca num voo e ele confia que você vai aterrisar aquele avião. Mas essa confiança você tem que ganhar, você tem que surpreender. Não to falando de uma surpresa gratuita. Você nunca deve subestimar o seu público e nem seus personagens e isso requer uma dedicação maior do que muitas pessoas imaginam.

É engraçado; as pessoas não tem noção disso, né? Do cansaço físico causado pelo cansaço mental. Falam "po, você passou o dia inteiro sentado sem fazer nada! Tá cansado de quê?" 

E por isso que tem que ter catering! (risos) Poupar energia e tempo! (risos) Olha... nosso processo é muito rigoroso. E pra mim é o mínimo, porque vamos pedir do público 1 hora da vida deles. 1 hora por semana! E eles nunca vão ter aquela 1 hora de volta, então tem que valer a pena. É muita responsabilidade...


NO EPISÓDIO FINAL: Focamos mais na série em si; trama, personagens e o futuro de "Santo Forte", a primeira série brasileira do AXN. E mais: participação especial da roteirista Donna Oliveira! Não perca!

"Santo Forte" vai ao ar todos os Domingos às 21h no canal AXN.

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