Livros de TV

By Eduardo Albuquerque - 10/07/2015




O post inaugural deste site foi sobre dicas de livro de roteiro e foi um grande sucesso por muito tempo. Easy google bait.

Agora é hora de especificar livros para roteiros de TV.

Como disse neste post de introdução ao tema "Televisão", as especificidades são muito... erm, específicas. E é bem simples ver onde as coisas são diferentes: ora bolas, no cinema tanto faz se você é comédia ou drama; vai bater a marca de 70 minutos pra ser um longa-metragem. Em TV, se você é comédia você é 22 minutos; se você é drama 42. Então, nunca vi um livro que cobrisse "escrevendo para a TV" como um todo, pois acho que isso seria impossível. Seria uma bíblia (e bíblia é outro assunto específico de TV que um dia falaremos...)

Então vou recomendar dois livros que são SUPER específicos e nichados, deixando claro que cabe a você saber usar à sua vantagem.

O primeiro é o "Eight characters of comedy: a guide to Sitcom acting and Writing". Escrito por um "coach" de atores chamado Scott Sedita, este livro é MUITO perspicaz. Se eu fosse coordenador de conteúdo de algum desses canais de tv a cabo que tem apostado em sitcom eu melhoraria a qualidade da oferta com o simples ato de dar uma cópia deste livro pra cada um dos roteiristas, atores e diretores para que entendessem a base, a planta de um sitcom. E ficaria de olho na execução das diretrizes deste livro. É a matemática da comédia aplicada não a um momento, mas a longo prazo. Uma vez vi um making of de uma destas séries e vi o roteirista chefe falando algo que me fez pensar "esse cara leu o livro! More power to him!", mas no resultado final passou longe de conseguir cumprir. É difícil saber o porquê; é cultural? Os atores ficam inseguros e passam a improvisar, os diretores (ciumentos), ao invés de bancar e trabalhar até conseguir, dão corda à insegurança e cagam tudo? Ou era papo e os roteiristas, apesar de saberem defender aquela idéia, não conseguiram realizar no papel? Sei lá... e é uma pena.

Mas digressiono...

Além de falar muito sobre a matemática da comédia, de delivery de piada, racionalização do engraçado e o correto uso de palavras em diálogo (sério, é muito bom, abre os olhos legal!), o livro destaca os 8 arquétipos de personagens em sitcom e explora como um pode ser colocado contra o outro. É em cima destas personalidades e da contínua contraposição deles que nasce a comédia à cada episódio. As tramas todas surgem à partir de "como esses personagens, que são X e Y, agiriam nesta situação?" e é em cima disso que nasce a graça, pois sedimentando bem estes tipos teremos surpresas (ou não) que irão trazer a graça da situação. Tipo, você sabe que se o Joey (Friends), aquela anta que não pode ver um rabo de saia, for confundido com um super intelectual inteligente por uma gata, vai dar comédia nisso. Ao mesmo tempo que o neurótico, lovable loser Ross vai ficar bolado com os sucessos do amigo, tentando mostrar que ele sim é inteligente, mas não conseguindo superar o charme do amigo boa pinta e por aí vai. Livrão!

O outro é até mais pelo alarde feito em cima dele. A Rede Globo comprou uma porrada e deu pra quase todos os seus autores. Chama-se "Homens Difíceis" e faz um paralelo entre famosos Showrunners (em breve aqui no blog!) e seus personagens, relatando uma guinada dramaturgica que trocou o protagonista em seriados americanos, antes um herói helênico grego, por um cara cheio de falhas, gente como a gente, um homem "difícil".

O livro é bacana quando relata bastidores do trajeto destes caras, métodos e idiosincrasias artísticas etc. mas confesso que tenho muita preguiça e ressalva para o olhar pueril e tendencioso do autor para/com a TV. Ele chegou tarde ao reconhecimento da TV como forma de produto narrativo de muita qualidade, só foi fisgado à partir da era HBO e a sedimenta como a fase de ouro da televisão, o que é uma puta de uma meia verdade, pois os fatores que ele tanto valoriza já vinham sendo implementados há décadas mesmo na TV aberta em programas como Hill Street Blues, NYPD Blue, Buffy the Vampire Slayer e muitos outros. Fica muito claro que se trata de preconceito dele e ele até reconhece isso no livro, dizendo que via a TV de cima pra baixo, só dava valor ao cinema, mas não acho esse mea culpa suficiente. No fim das contas, se ele tem a consciência disso, por que reitera? Ninguém obrigou ele a escrever o livro. Sustentar que a TV não era nada antes e de repente surgiu a programação de tv a cabo e mudou tudo, ao invés de estudar e ver que foi um processo longo surgido da TV aberta, parece estratégia pra justificar a venda do livro, valorizá-lo. Acho eticamente feio e na melhor das hipóteses (forçando a barra) pesquisa mal feita.

Nesta nota, me parece que "The revolution was televised" seria mais adequado, ao mesmo tempo que faz mais ou menos o mesmo trabalho do Homens Difíceis. MAS... a Rede Globo não comprou esse livro e distribui pra geral, então, pra ficar no mesmo mindset dos caras (e metade do mercado), na dúvida, escolha Homens Difíceis. Não vai te ensinar técnica, mas vai te ajudar a pensar melhor a origem desta dramaturgia e entender o que está em voga e o que, supostamente, estão esperando no mercado hoje em dia.

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2 comentários

  1. Tks! Era minha dúvida... sobre os livros... e estava lá no primeiro post... Estou lendo A Jornada do Escritor (quando me sobra tempo... artigo raro nesse momento da minha vida) e curtindo bastante. Me lembra bastante o Save the Cat. Abraço!

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  2. Li o Homens Difíceis e é isso que o Eduardo falou, não ensina técnicas e sim fala mais dos bastidores da criação de algumas séries de sucesso (não todas) a maioria da HBO. Mostra muito o lado de produção do showrunner escolhendo elenco e lidando com o sucesso posterior, mas entre historias como o sumiço do James Gandofini em plena filmagem de Familia Soprano e as mudanças repentinas que tornaram Breaking Bad um sucesso, você encontra boas dicas de criação e vale a pena porque elas vem de caras incríveis como: David Simon, Matthew Gilliam e David Chase.

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