Q&A

Q&A 21/08/2015

By Eduardo Albuquerque - 8/21/2015

Todas as sextas-feiras eu respondo perguntas enviadas pelos leitores do blog. Se quiser me mandar uma, acesse este link e aperte enviar (ou tente nos comentários!).

Vamos ao desta semana!

Olá Eduardo.

Meu nome é João Felipe e escrevo de São Paulo.

Primeiramente, quero lhe agradecer. Sou um estudante de Audiovisual e roteirista, em meu último e conclusivo semestre de Rádio e TV. Agora produzindo meu TCC, com base no roteiro que escrevi, me pego pesquisando textos, artigos e postagens sobre o mercado audiovisual brasileiro, buscando algum tipo de conselho ou dica complementar para o futuro.

Eis que encontro seu blog e percebo como você está tendo sucesso em suprir uma necessidade minha, e tenho certeza, de muitos outros como eu. A sua interação e hospitalidade para com os leitores é confortante de ler, e quando se passa metade do tempo pensando no próximo passo e em como dar esse passo, esse conforto é muito bem vindo.

Me identifiquei com um de seus textos onde cita que era conhecido como “o cara da TV” na faculdade e digo que gostaria de ter sido seu colega de sala, pois compartilho uma imensa fixação por séries ficcionais de todos os tipos. Aproveito para constatar que mesmo em cursos como Rádio e TV, o interesse por televisão é bem pequeno, e por rádio então, menos ainda.

Em suas postagens sobre o mercado, onde fala das maneiras de se fazer um roteiro ser lido, eu gostaria de dizer que fui aconselhado por alguns professores (os quais aproveitei como revisores) a enviar meu material para produtoras, na esperança de que fossem lidos. Minha dúvida então, é se você diria que esse método pode ser prejudicial (uma vez que pode ser visto como amador) ou se ainda assim é um método válido aliado aos outros citados. Alguns dos professores sugeriram a entrega do roteiro diretamente no endereço da produtora.

Um conselho que escuto bastante: Roteirista no Brasil deve escrever todos os gêneros e formatos para se manter. Gostaria de saber sua opinião mais a fundo no assunto e sobre como isso pode influenciar o ingresso no mercado.

Peço desculpas pela extensão do texto, e agradeço imensamente, mais uma vez, pela sua iniciativa.  Me recordo de ter lido que você talvez considerasse colaborações ao blog eventualmente e desde já me faço disponível caso possa contribuir de alguma maneira relevante.

Obrigado,
PS:  Fico ansiosamente na espera de mais posts relacionados a televisão ( promessa é dívida hein).

João Felipe

Opa, João Felipe!

Antes de tudo, muito obrigado pelas gentis palavras! Muito bom saber que estou conseguindo tocar algumas pessoas; faz tudo valer a pena.

Poxa, que doidera, no curso de Rádio & TV, não ter muito interesse nem por Rádio, nem por TV...

Sobre o lance de enviar seu material para produtoras; não é que eu sou contra isso. De forma nenhuma! O que venho falando é que vejo a galera roteirista que está procurando iniciar a carreira muito preocupada com o seu roteiro, dando um peso maior a ele quando o que o mercado procura é o roteirista e não o roteiro. Alguém que saiba escrever e seja confiável, gentil e tranquilo o suficiente para que embarquem numa longa jornada com ele. Então, se for uma realidade pra você, sim, concordo com o professor que aparecer lá em pessoa pode ser uma boa. Não do nada, sem aviso, na porta de casa ou do local de trabalho do cara. Mas após uma introdução de amigos ou algo assim. Mais uma vez; nada como um chopp social. Futuque no Facebook, Linkedin etc. para achar a cara dos nomes que você já ouviu falar por aí. Pessoas que aparecem na Filme B, que estão produzindo coisas e tal. Vê se tem amigo em comum, aparece num festival/palestra onde eles são convidados... é trabalho duro, mas dá pra ir construindo uma familiaridade (pouca coisa nesse momento é pra ontem) como ponte para mostrar que você é uma opção para roteirista.

A vida é muito anti-narrativa. Um fato dificilmente deságua limpinho em outro. É um bando de coisa randômica ou mal agembrada; Deus é péssimo roteirista. Mas olhando pra trás, com minha cabecinha de estrutura narrativa, se eu quiser traçar quando comecei meu trajeto até chegar à escrever o "A esperança é a última que morre", eu iria para 2005, quando estagiei na Conspiração Filmes. Eu não fui pra lá pensando "po, vou fazer isso aqui pra conhecer o Andrucha Waddington, apresentar meu roteiro e conseguir minha primeira chance!". Eu sequer sabia que queria ser roteirista; estagiei na área de direção - e aí descobri que não era pra mim mesmo - mas lá conheci a esposa do Calvito (Leal), diretor do "A esperança é a última que morre", que na época era segunda assistente de direção (e acho que nem namorava ele ainda) e, por causa disso, anos depois, numa conversa sobre "Lost" (olha a TV aí!), ela mencionou pra ele que deveríamos nos conhecer, pois tínhamos muito a ver um com o outro. Nesta época eu já estava começando a escrever e, papeando, se conhecendo melhor, fomos construindo uma parceria em diversas coisas - tivemos uma empresa junto e tudo - e, anos depois, quando os astros se alinharam, começamos este projeto que 10 anos depois chega às telas.

Percebe como foi uma sequência propiciada por calma, gentileza (por gentileza; e não pra conseguir algo), um pouquinho de cara-de-pau/desinibição, talento e "sorte" (com aspas pois sem as outras coisas que citei antes, ela não te favorece) que fez as coisas acontecerem?

E sobre os gêneros; não temos gênero, né? Apenas Drama e Comédia, as raízes mais profundas. Western, Ficção Científica, Fantasia, Filme de Guerra, Aventura... tudo isso é meio ghetto aqui no Brasa. Então nem faz sentido dizer que tem que fazer tudo, pois na real quase não se faz nada disso. Mas ok, vá lá; sim, no mínimo não atrapalha a iniciar a carreira quando você sabe escrever tudo, está disponível e tem a capacidade de fazer todos os gêneros. As chances são poucas, então é bom poder pegar carona nessa cauda de cometa que é um filme de gênero caindo no seu colo. Te facilita a pegar um trabalho comissionado mais cedo. Fora que é maneiro pra caramba, né? E faz bem pra sua escrita não ser um cara monofásico. Mas, repare, mais uma vez: é você a chave; e não o roteiro que você apresenta! Não faça 5 roteiros, um de cada tipo e saia distribuindo por aí. Muito raro alguém ter a presença de espírito (capacidade de leitura) de encontrar "você" no meio de todas as diferentes vertentes apresentadas nos roteiros. Esta idéia de "eu posso fazer outras coisas" quase tem que ser um afterthought, um segundo momento.

Resumindo a questão de "apresento minha multidimensão ou minha capacidade específica?": procure o que você acha que faz melhor, independente se é "vendável" ou não (pois pela milésima vez, não é o roteiro que você apresenta e sim o que você apresentou no roteiro!), e tente fazer o melhor possível nela. Se você mandar bem, naturalmente vão querer mais daquilo; você dá e aos poucos vai construindo uma oportunidade de mostrar outras vertentes suas.

Muita calma e paciência! Você escolheu uma carreira (longa, diga-se!) e não uma profissão. Acostume-se...

Grande abraço!

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3 comentários

  1. Muito obrigado pela resposta, Eduardo. Continuo a dizer que esta sua interação é muito apreciada.

    Vamos conversar sobre Lost qualquer dia hahaha gosto sempre de ouvir e ver esses caminhos que foram sendo traçados até o roteirista se formar, mas foi assim também que percebi que a maioria dos roteiristas de hoje não escolheram ser roteiristas, e sim foram se encontrando nessa posição. Eu gostaria de saber inclusive se você conhece alguma experiência de alguém que decidiu ser roteirista antes de ter-lhe sido apresentada a possibilidade, por mera curiosidade.
    Aproveito para estender um pouco minha pergunta e dizer que além dos gêneros, este conselho do "roteirista precisa fazer tudo" também fala de formatos, saindo da ficção.
    E admito que este seu texto de tempos atrás sobre a carreira foi um dos motivos que me fez acompanhar este blog, pois procuro sempre pensar de maneira semelhante a essa. A mentalidade pragmática de negócios é necessária e já estou sempre dando de cara com exemplos e confirmações disso.

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    Respostas
    1. Que nada, João! Eu que agradeço; vocês que movimentam a Sala e fazem dela esse espaço legal.

      Eu não entendi bem sua pergunta, achei meio metafísica; como é que alguém vai decidir ser uma coisa antes de ter a oportunidade apresentada? hehe E, veja bem, eu escolhi ser roteirista sim! Haviam outras opções, né? O que eu disse no post, e também tem a ver com sua extensão da pergunta, é que uma coisa meio vai te levando à outra; a vida é assim. Então, o importante é sempre estar se movimentando (CRIANDO!), pois isso vai abrindo novas estradas. Mas a escolha de "eu entro nessa ou naquela?" é sempre sua. Já trabalhei editando vídeos (de casamento, institucionais...), já dirigi curtas, uma webserie e até um comercial de veiculação nacional, já fui o "cliente" e demandei de profissionais o que queria pra vender meu "produto". E, se necessário, posso vir a fazer isso de novo, embora não seja meu interesse e não considere minha praia. Agora, o que tudo isso me deu foi um maior entendimento do processo como um todo e me ajudou a me melhorar como roteirista. Se você está criando, mesmo que seja numa instância diferente, tente ser consciente do processo para aprender a melhorar seu ofício "principal". Só não rola mesmo fazer algo totalmente longe, tipo ser mecânico de carro, médico ou trabalhar no banco (embora possa te trazer idéias e interações humanas etc.) Seja uma esponja e absorva tudo que possa te ajudar! O mundo é todo interligado, tem sempre algo que a gente pode aprender com alguma coisa. Estamos nesse mundo pra CRIAR e pra isso precisamos estar sempre aprendendo. Se você não tem mais nada pra aprender e criar, você já morreu.

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  2. Olá Eduardo. Gostaria de ter uma opinião sua - e do pessoal - sobre algo que me chamou a atenção.
    Tenho lido o máximo de roteiros que encontra e percebo dois estilos de escrita.
    Tem um grupo de roteiros que o estilo é mais literário, exemplo para você entender, o roteirista narra ações e personagens de forma mais livre, como um romance.
    Ex
    Curly arrasta-se até as persianas e cai de joelhos no chão. Está soluçando compulsivamente agora. Sua dor é tal que ele chega ao ponto de morder as persianas.

    Gettis permanece imóvel na sua cadeira.

    GETTIS
    Tudo bem, agora já chega. Você não vai querer morder as persianas, vai Curly? Mandei instalar nessa terça.

    Curly começa a falar lentamente, se levantando do chão, ainda chorando. Gittes apanha um copo de uísque e rapidamente escolhe uma garrafa de Bourbon barato dentro outros tipos de uísque mais sofisticados.
    TRECHO do roteiro Chinatown, de Robert Towne traduzido do livro Os Fundamentos do Roteirismo de Syd Field.

    Tambem há trechos em roteiros brasileiros como Feliz Natal de Selton Mello.

    Bruno está plantado na frente da casa da avó com o papel na mão

    Por outro lado já li roteiros mais técnicos, que evitam certas descrições que só aparecem no papel, como os exemplos acima (SUA DOR É TAL, PERMANECE IMOVEL, ESCOLHE O UISQUE MAIS BARATO, ESTÁ PLANTADO)
    Alguns roteiristas dizem que esse tipo de palavra deve se evitar, que movimentos que o personagem não faz em cena não devem ser descritos (como exemplo do PERMANECE IMOVEL, ESTÁ PLANTADO).

    O que você acha disso?

    Particularmente sempre escrevi – e como venho de uma vertente literária – de forma romanceada, já fico intrigado se estou desenvolvendo corretamente ou enchendo meu texto de informações desnecessárias.

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