Todas as sextas-feiras eu respondo perguntas enviadas pelos leitores do blog. Se quiser me mandar uma, acesse este link e aperte enviar (ou tente nos comentários!).

Vamos ao desta semana!

Fala Eduardo! Bem, é a primeira vez que eu estou escrevendo um roteiro e tenho a seguinte dúvida: É necessário que toda a ação do filme se passe em algum lugar específico?  Por exemplo: Meu roteiro se passa em um colégio, mas eu não especifico nem onde fica o colégio nem qual país os personagens moram. O que fazer disso? Cumprimentos da terra da ponte-luz!

Cordialmente,
Carlos Massaca

Fala, Carlos!
Se você não disser onde se passa a história, por default seu filme vai se passar no Brasil, pois vai ser falado em português com sotaque brasileiro e atores brasileiros e tal. A cidade? Não precisa especificar. Quantos filmes não citam? No entanto, muitas vezes isto adiciona algum "sabor" à sua história, então vale a pena considerar.

Vou te dar um exemplo de exemplo de roteiro sensacional (um dos melhores da história do cinema), que é o "12 angry men" (12 homens e uma sentença, em português), de Reginald Rose. O filme se passa TODO (ok, quase todo, tem uma ceninha antes no tribunal e outra depois no hall do lado de fora, totalizando menos de 3 minutos dos 96 do filme) no interior de uma sala do juri, onde 12 jurados discutem um caso que tem de ser votado unanimamente. Este filme é um "must" para qualquer roteiristas; tão bom que o remake nos anos 1990 é igualmente bom, portanto permita-me as possíveis confusões entre as duas versões que provavelmente farei ao decorrer desta explanação.

Pois bem, 12 Angry Men poderia se passar em qualquer lugar do mundo, né? A maioria dos lugares do mundo tem cortes judiciais, tal como a maioria dos lugares do mundo tem escolas. No entanto, esta corte é baseada em Nova York e cada pequena pincelada da cidade auxilia a história, adiciona à história. Seja na composição do juri diversificado típico da cidade de Nova York (um indiano, um italiano... brancos, negros... banqueiro, comerciante, taxista...), seja nos detalhes de trama que ajudam a fazer a história andar (um dos jurados tem ingresso pro jogo do New York Yankees e quer decidir rápido para não perder o jogo e, por isso, em alguns momentos, vota no estilo maria-vai-com-as-outras, o que traz conflito com outro jurado que abomina o quanto ele não se importa de verdade com uma decisão que pode custar a vida de uma pessoa inocente) e por aí vai.

Enfim, podemos sim não mencionar em que cidade se passa a história. Mas tenha em mente que a escolha de qual cidade (ou a escolha de nenhuma cidade) influencia o seu storytelling! Meu filme, "A esperança é a última que morre" (3 de Setembro nos cinemas) - vocês acharam que eu ía perder a chance de fazer propaganda? - se passa numa cidade fictícia chamada "Nova Brasília" e há um motivo para isso. Queríamos construir uma cidade diferente de qualquer uma, pois os fatos que acontecem durante o filme tem um quê de irreal surreal que, se enraizados em um lugar identificável, talvez não ajudasse a narrativa. Como nossa protagonista mexe com um assunto pesado - morte, alteração de cadáveres etc. - ao colocá-la numa cidade fictícia e exagerada, tornamos, por tabela, sua saga algo igualmente exagerado; lúdico, se tanto. Até o nome acompanha... uma cidade que podia ser uma utopia (mais detalhes no filme, não quero spoilar!), mas que, no jogo de poder, de imagem, política e sonhos, acaba - na boa intenção ou não - se perdendo e virando algo"mais do mesmo", sem coração, regida pelo interesse de poucos e celebrada pelos motivos errados.

A cultura condiciona a visão de mundo e homem, logo o ambiente no qual seus personagens estão inseridos tem de significar para o contador de história. Olhe para sua história e o que você deseja passar através dela, olhe para seus personagens, descubra de onde eles vem e para onde eles vão. Tanto geograficamente quanto narrativamente; um pode complementar o outro. Tenho certeza que pequenos detalhes de localização irão te ajudar a entender seu roteiro melhor e fazer você contar a sua história de maneira mais efetiva.

Boa sorte!