O amigo-do-blog Jefferson Rodrigues pediu outro dia nos comentários deste post para eu falar um pouco sobre comédia e o meu approach sobre ela. É até um assunto que, há tempos, gostaria de abordar, então achei melhor fazer em formato de post e não apenas respondendo o comentário, pois vai ser uma filosofada grande e, espero eu, bacana demais para não ter um destaque legal.
"O que é a comédia", "o que é engraçado" ou "como posso ser engraçado" são perguntas que eu e todos os escritores (de comédia ou não) vamos passar a vida inteira tentando responder e dificilmente conseguiremos fazê-lo na totalidade. A comédia não é matemática exata - se fosse alguém já tinha escrito uma equação definitiva e ganhado muito dinheiro com isso - mas a comédia possui sim matemática dentro dela. Tenho pensado muito ao longo dos anos nesta equação e suas variáveis e algumas coisas tenho achado verdadeiras e recorrentes.
A primeira noção a qual cheguei - não é conclusão, estou sempre aberto a rever minhas idéias - é que a comédia narrativa (piadas, roteiros, histórias...) é igual a tragédia + tempo. Tem sempre um oprimido, algo ou alguém que sofre/é zoado. Uma interação onde todos se dão bem e ninguém é humilhado não é cômica. Só o é se você estiver querendo exatamente apontar e exacerbar isso, essa chapa branquice/bondade inumana. E mesmo assim: só significa que você escolheu esse tipo de gente "canadense" pra ser the butt of the joke. Sempre alguém leva a pior na comédia, nunca vi um exemplo onde algo engraçado não trazia conflito entre duas coisas e colocava algo ou alguém por/pra baixo; nem que essa pessoa fosse a própria pessoa que conta a piada (humor auto-depreciativo). Somos escrotos, queremos ver alguém se fudendo. Ou seja; comédia é igual a dor. A "tragédia", nosso primeiro fator da equação, é certa. Sempre. O "tempo" é apenas o fator que vai determinar se a comédia é eficiente (faz rir) ou não, pois, já que sempre tem algo/alguém que leva a pior, temos que ter a sensibilidade de saber se "é cedo demais" pra brincar com aquilo, se o público está pronto para receber tal dosagem de dor. A boa comédia tem que saber mexer com o espectador, desconfortando e afrontando-o na medida certa para que ele não fique na defensiva e pare de rir.
Então, dentro desta noção geral, "comédia = tragédia + tempo", eu colocaria aquela barrinha de "dividido por" e o fator "surpresa". Um dos principais propiciadores do riso é a surpresa. Ser engraçado é um exercício de surpreender o receptor com algo tão "absurdo" ao ponto de, no nervosismo/desconforto daquele comentário (ou o que seja), provocar uma risada. A tragédia é fácil de encontrar e escrever. O ser humano carrega muita treva, dor e angústia dentro de si. Já o tempo é algo que vem com bom senso, algo muito difícil de uma pessoa sozinha ter, mas com muitas - e o cinema é um esporte coletivo - você acaba conseguindo dosar. A verdadeira técnica é saber encontrar a surpresa, o absurdo. Não à toa a surpresa/o absurdo é a base de algumas várias construções matemáticas do humor como nos "Triplets"(técnica de construção de piada em três partes) e no "Short Form" (técnica de improviso, que é o fundamento básico dos roteiros do Porta dos Fundos, por exemplo).
É a surpresa que impede a comédia de ser uma equação estanque, pois não temos como calculá-la, apenas "criá-la". Surpresa é a busca pelo ineditismo ou, pelo menos, pelo não-usual. É o que faz a comédia ser tão mais difícil do que escrever drama.
Essa foi a minha filosofada sobre comédia. E é uma reflexão super necesária para roteiristas. A gente pode nunca saber o que é a comédia como um todo, mas temos que saber sempre ONDE que está a graça nas coisas que escrevemos. Independente de conseguirmos êxito nesta missão, temos que saber "onde" e "como" estamos tentando buscar o riso.
O que vocês acham disso tudo? Será que discordam? Será que concordam? Será que vamos conseguir vencer uô ô ô ô ô ô?
Venham somar e (assim) multiplicar os comentários!
3 comentários
Olá Eduardo
ResponderExcluirObrigado pela resposta em forma de aula. Eu li três vezes o seu texto, ontem de forma corrida e hoje analisando seus exemplos – é bom quando destaca com exemplos.
Foi muito esclarecedor na equação que criastes. Realmente quando pensava sobre comédia, de alguma forma pensava nisso, mas de forma desordenada entende. Sua equação serviu para juntar o Tico e o Teco.
Eu gosto atualmente de duas comédias: a do Porta dos Fundos e a do Tá no Ar do Marcius Melhem que foi fã. São os dois tipos de humor que penso muito quando assisto e tentei analisa-lo dentro do que falou e realmente eles levam de formas distintas essa questão.
Jeferson
Que bom, Jeferson!
ExcluirGosto muito dos dois também. O PDF utiliza-se largamente do "short form" por conta da natureza de seu "Negócio". São videos de internet de mais ou menos 5 minutos contidos em si mesmo. (Exceto nas mini-série "Refém", onde não usaram o short form). Vai ser interessante ver em "O Grande Gonzales" série deles para a FOX - na qual o rapaz que te responde este comentário trabalhou =) - a galera do Porta lidando com 10 episódios de trama corrida. To ansioso pra ver o resultado final.
No caso do "Tá no Ar", o conceito do programa já estabelece em alguns casos a comédia da coisa; é uma "surfada de canal" em uma TV absurda. Uma sátira da nossa própria TV. Logo, eles não necessariamente precisam recorrer exclusivamente ao short form. O contrato de conceito já está feito com o espectador, eles podem soltar as coisas sem uma maior construção. Ex: aquele quadro "Pesca Fatal". Não tinha setup, unusual thing etc. É a reiteração de uma noção bunda (pesca) sendo vendida pela TV como algo emocionante (fatal) exacerbando a graça através da repetição monumental durante o programa, com um desfecho surpreendente no final. Bom, de toda forma neste caso ainda passou pela tragédia (fatal), pelo tempo (e pelo timing...a piada fica voltando mil vezes dentro do programa) e pela surpresa (nunca acontecer nada, contradizendo o fatal e aí lá no finalzinho...BAM! ele morre)
abração
a diferença que um bom roteirista dá não é. assisti agora uns trechos do novo Zorra e é perceptível que a qualidade aumentou muito com o Marcius Melhem. Fora que o elenco é o mesmo, um exemplo que o trabalho do roteirista deveria ser mais valorizado.
ExcluirLi uma entrevista do Marcus Caruso alguns anos atrás em uma revista e ele fala que a Globo tem o domínio da dramaturgia brasileira porque tem o controle dos melhores roteiristas do país, quando sai um autor de porte de lá, a Globo treme
Jeferson