Ainda bem que isso é “Resenha” e não “Estreia”, porque senão eu teria muita dificuldade de dizer se gostei ou não de “Spring Breakers” (2012). Não que seja mole resenhá-lo, mas pelo menos eu sei onde pisar. Domino o que penso – o que pode estar “certo” ou “errado”, se for o caso, e também é sempre mutável - mas não o que sinto – o que nunca é “certo” ou “errado” e sim, e apenas, “meu”.
Vamos lá... reconheço uma ambição bacana, uma sagacidade de marketing bem aplicada ao projeto e à dramaturgia e até uma identidade própria, mas sinto que quanto à história e a eficiência dos mecanismos de storytelling, o roteirista e diretor Harmony Korine meio que não bateu tão pra fora do parque como poderia e o filme como um todo ficou, senão difuso, superficial. E essa é meio que a dificuldade de resenhar este filme, pois ele é um projeto que pode se desviar de todas estas coisas que falei argumentando que as “falhas” eram parte do conceito, e que, por isso, se trata na verdade de um filme bem sucedido em seu intento.
Eu queria que essa foto fosse a síntese do filme, mas...
O defensor de Spring Breakers pode dizer que o intuito do filme é exatamente ser superficial, de forma a intencionalmente “espelhar” o hedonismo do evento homônimo do filme. Entendo perfeitamente, mas será que uma unidade um pouco mais coesa não ajudaria a aumentar o engajamento dos espectadores nesta “viagem”? Tipo, o filme vai até certo momento tendo como protagonista/condutora da história a Selena Gomez. Assim que o James Franco entra na história (e ela sai! Wtf!), ele rouba a tela não apenas no sentido de roubar sua atenção com sua (realmente) excelente atuação; mas literalmente se tornando o protagonista do filme à partir dali. Detalhe: isso acontece aproximadamente no minuto 40 do filme! E, não obstante, ele não segue até o fim da história. O desfecho – se é que podemos chamar assim – é para a Vanessa Hudgens e Ashley Benson. É confuso e não acho que conscientemente/suficientemente confuso para ser justificado com um “ah, é linguagem!” e mesmo se fosse; neste caso do que adiantaria?! O espectador não está curtindo uma viagem de drogas, então você pode até flertar com uma metalinguagem de “olha só, eu estou mimicando o hedonismo e o randomismo e a incoerência repetitiva de uma viagem de drogas e o prazer dela” para ajudar a contar sua história, ajudar a inserir o espectador naquele mundo, mas isso, sozinho, nunca pode ser *a* história. Sob pena de tornar a sessão muito hermética. Isto só faria sentido se o propósito da obra fosse prover uma experiência sensorial, tipo uma instalação de arte e não uma sessão de filme de entretenimento. O peso do storytelling num filme tem de ser sempre 70% ou mais.
... essa que é: Estética abundante, storytelling minguado.
O que pra mim é muito interessante em Spring Breakers é uma virtude que Korine já demonstrou em outros projetos: um olho muito bom para capturar, compreender e traduzir pro roteiro as angústias, as ingenuidades e o lifestyle/zeitgeist d(e um)a “juventude”. Só que aqui, em comparação ao clássico “Kids” (1995), seu primeiro roteiro, ele merece até mais crédito, pois soube fazer este trabalho de observação e execução “de fora pra dentro”, com um distanciamento maior (tanto pela idade quanto pelo status social atual) do mundo retratado, ainda que sem perder a propriedade e pungência de seu discurso. Uma maturidade no significado sem perder um frescor no significante, if you will. Um bom exemplo disto são os dois momentos “Britney Spears” do filme. Aquilo ali é genial, de uma sensibilidade ímpar, sem zoação.
Não achei boas fotos do segundo momento Britney Spears (que é mais lindo), mas esse vale também
E é por isso que fico com mixed feelings e Spring Breakers torna-se frustrante para mim, pois apesar de possuir e desferir este talento em algumas ocasiões do filme, Korine acaba tornando raso o caldeirão de idéias que o próprio filme cozinhou, nublando e ofuscando interessantíssimos insights e discussões com esta metalinguagem narrativa-estética que mencionei no parágrafo retrasado. Tem muita espuma na frente da parte onde há sustância e aí fica parecendo que nem tem muito pra se tirar de um filme de substancial matéria. Dois exemplos marcantes disso: primeiro, a noção da vida entediante e repetitiva nas faculdades americanas situadas em cidades no meio do nada, a noção de uma vida tão perfeitamente dicotômica entre estudo e prazer, tendo a busca pelo Spring Break como elemento de quebra disso tudo. É muito verdade, pouco explorado/observado e muito interessante! Aliás, o primeiro ato como um todo propõe discussões muito ricas, que no final das contas não são enfrentadas pelo filme. O clima soturno, os setups da Selena Gomez e a questão da religião...
Pretty little wizards of waverly school musical
Já “Alien”, o personagem de James Franco, é um caso à parte deste potencial pouco aproveitado. A cena do “look at my shit!” traz tanta coisa boa à tona e acaba sendo explorada, se tanto, como um afterthought. Não fosse a repetição intensa de “look at my shit!” muito mais servindo ao propósito de reiterar a não-linearidade/repetitividade narrativa espelhando um transe de drogas, talvez eu nem me atentaria a isso, mas Alien é um retrato muito rico de uma juventude carente de atenção, que se completa com o mundo material e comprou uma imagem ingênua, quase inocente, do “thug”/”gangsta” e acha que o mundo é a sua redoma (e não é?) e gasta seu tempo se entretendo com seus haters e fandom e outros provincianismos geracionais. Alien não é o cara que mata e é cruel porque o mundo o roubou da possibilidade de sentir bons sentimentos. Alien é o cara que nunca teve nada e está curtindo o status, a ostentação “look at my shit!” um alguém que vivia uma vida vazia e se completou com objetos que o conferem poder e, antes de qualquer coisa, felicidade. Quase uma pessoa pura. Uma criança. Não é sobrevivência. É um joguinho, “como um vídeo game”, Ashley Benson fala em algum momento do filme.
Look at mah shit! Look at mah shit! Look at all of mah shit... they mean nothing.
Esse é o problema da dosagem descompensada no storytelling: se fizesse o reverso e focasse na história como base e no sentimento como conseqüência, Spring Breakers não traria a sensação de “que primeiro ato longo...”, pois ainda que o fosse em matéria de tempo real, não o seria em tempo afetivo, pois o investimento de atenção seria recompensado nos desdobramentos subseqüentes do assunto. Se desdobrasse o potencial de Alien em ações que mostrassem seus conflitos e eles mesmo fossem colocados em conflito, a gente se importaria com seu desfecho e levaria algo pra casa. Mas, ei, não é um espelho do Spring Break real? Será que é isso: a tese master do filme, na qual ele mesmo se insere, é que Alien e as meninas estão erradas e não há magia no Spring Break e no cinema? É entretenimento, mindless fun, cores e sons, finito e ano que vem/sessão que vem tem mais, logo buscar coesão é inútil? É, então, um "foda-se, longa-metragem como conhecemos is dead" de Harmony Korine? E, o sendo, será que até isso ele o fez da melhor forma possível?
Sei lá, mas pensando tudo isso, pelo menos por hoje, até gosto mais do filme. Sem dúvida é bom ver algo que - mesmo se não pela sua eloqüência, não pelo que efetivamente diz - faz o espectador levar o filme pra casa e pensar, dando sobrevida a ele.
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