Desde os meus tempos de ator eu achava até certo ponto bobagem esse negócio de "laboratório". É cristalino que quando escolhem algum ator para ser algum personagem é porque reconheceram algo DAQUELE ator como similar à algo pertencente/desejável àquele personagem. Então, ok, é óbvio que é importante que o ator conheça mais daquele mundo para não interpretar seu personagem levianamente, mas um mergulho exageradamente profundo - porque tem muita gente tarada com isso, né? - também não é bom, pois tanto os criadores/produtores quanto o público esperam ver um pouco daquele ator no personagem.
O mesmo se dá com pesquisa de roteiro.
Adoro pesquisa, acho importantíssimo que saibamos o máximo de informação possível para que construamos em cima do assunto que for... no entanto, isso não é jornalismo; no máximo jornalismo gonzo. Queremos a sua visão, a sua versão dos fatos e não um relatório técnico. Isto se aplica tanto à verificação de fatos quanto à perfeitamente meticulosa explanação dos maneirismos daquele mundo. Eu e todo mundo que não é chato deixa passar uma inconsistência de fato tipo "esse carro não existia ainda esse ano" ou uma gíria que na real não é daquele lugar. O importante é estarem contribuindo à verdade do mundo/visão que você está empregando à história. Mentiras sinceras interessam ao Cazuza e aos roteiros muito mais.
Já trabalhei com colegas que confidenciaram que só acreditam em suas escritas quando vivenciam o mesmo que o personagem, quando adentraram o mundo que escreviam e o viram de perto. Claro que escrever sobre algum assunto sem saber nada sobre ele não vai dar certo, mas numa onda de "não posso escrever sobre algo que não vivi", eu sou bem contra. Acho doideira pois pode escalonar para situações perigosas. Pra escrever sobre um degenerado terei que me afundar nas drogas? Para fazer um filme que conta sobre um estupro terei que realizar/sofrer um? Se sim, to fora...
O que temos que fazer é retirar das nossas próprias experiências fatos e sentimentos análogos ao que a história pede. Aliás, se você não percebeu ainda, este é o trabalho do roteirista do início ao fim. De analogia em analogia vamos correlacionando as coisas e construindo uma história. Então, pense naquela vez onde você sentiu aquela "onda" de tesão (ou bad trip) com alguma coisa. Medite sobre como foi bom pra você aquele gozo, mas em última análise insuficiente/vazio e aprofunde como você poderia perseguir este sentimento se degradando/humilhando ou não. Ou quando você passou por uma situação de impotência e se sentiu violentado por aquilo. E por aí vai...
Este é o momento onde você, montador de pula-pula/roteirista, fica mais perto de um artista, pois, como na arte, tem que mergulhar profundamente dentro de si mesmo e colocar um espelho virado para a sua alma afim de tirar concientemente lá de dentro algo cru e sincero e mega revelador de quem você é para contar a sua história/desenvolver seu personagem. E é por isso que este trabalho de roteirista não é fácil. É doloroso, às vezes você se sente mal fisicamente, pode até chorar escrevendo uma cena. Mas é parte do trabalho.
Você não precisa ter vivido exatamente o que o personagem viveu. Todo mundo tem escuridão dentro de si, nossos dramas são sempre maiores do que qualquer de outrém, pois só nós sentimos a dor dele. O que você precisa fazer é saber identificar a raíz emocional dos dilemas/problemas/questões dos seus personagens, correlacionar às suas experiências e estar disposto a mergulhar dentro de si, despir-se totalmente e traduzir em palavras e ações.
1 comentários
Muitas vezes ouvi dizerem: Escreva sobre o que você sabe/vivenciou. Em parte eu acredito nisso, uma parte pequena, mas acredito ainda mais no trabalho de pesquisa e na reflexão sobre o assunto. Facilita sim se você for um programador de maquina de café e seu personagem tiver o mesmo oficio, mas para que facilitar não é?
ResponderExcluirNão classifico meus projetos em: conheço o assunto ou não conheço. O que eu penso é na historia, sempre ela.
Jeferson Rodrigues