A impressão que dá ao assistir "Chef " (2014) é que Jon Favreau cansou de fazer seus filmes blockbusters (Iron man, Iron Man 2) e falou “Sabe de uma coisa? Foda-se Hollywood; quero fazer um filme pequeno, sem pressão, brincar/testar”.
Chef é um prato cheio para todo roteirista teimoso (pleonasmo), que – apesar de temente às “regras” estruturais de um roteiro – se pega pensando “hmm, mas e se eu não fizer assim? É possível?”.
Tudo é possível, cara. Mas vamos com calma pra você não morder mais do que consegue mastigar. Analisemos primeiro algumas leis de roteiro que Chef não segue:
Anota aí, malandro!
Regra 1 – “Tem que ter conflito”
Você vai ouvir isso milhões de vezes porque... bom, porque tem que ter mesmo. Ninguém quer assistir um filme onde os personagens estão de boa. Não precisam de nada, temem nada, tudo como deveria estar. Chef tem conflito, não me entenda errado. É a história de um pai que não dá atenção para o filho por causa da carreira agitada (conflito: amor x trabalho) e, pior, um trabalho cujo a relação fim/meio não está valendo a pena; ele quer inovar, fazer pratos mais “sinceros”, mas o dono do restaurante não quer mexer em time que está ganhando (conflito: tesão x segurança). Entre outros...
O lance é que geralmente, quando falam do conflito, estão pensando nele como elemento de trama e não como subtexto emocional. Ou seja, sendo bem formuláico/estrutural: o conflito tem que ser visto/desembocado em ações durante o segundo ato e, especialmente,encerrado no terceiro ato. Querem que o conflito climatize e nos ofereça a satisfação final de saber que o Herói enfrentou (e venceu) tal conflito.
Chef faz do conflito sua entrada, mas não o prato principal ou a sobremesa. Aborda o momento mais “fantástico/conflitante” da vida do protagonista, mas... não tem uma grande catarse de trama do meio pro final. Não tem um “low point”, muito menos um “All is lost”: o cara repara que o mais importante pro seu filho é estar com ele e vice-versa... e assim é feito. Bora ficar junto, show. Semestre que vem, depois da escola, é nós. Não tem a “corrida pro aeroporto”, não tem a “High Tower Surprise”.
"To sem serviço e preciso ler a resenha do Sala dos Roteiristas": baita conflito de trama!
Regra 2 – Setups e Payoffs
Há! Olha eles aqui de novo. Se em Boyhood o resultado parece premeditado e a opção parece coerente à narrativa “naturalista” do filme, em Chef, que tem a narrativa mais tradicional, a falta de setup e payoff (e sua dose de drama) salta ainda mais da tela. Você vê John Leguizamo largando o restaurante pra trabalhar no food truck e fala “Ah, esse amigo dele... vai trabalhar sem receber? Fato que quando ele voltar o caminhão já não vai estar mais lá! Safado!”, mas não... ele é só um bom amigo que está afim do desafio. O filho começa a trabalhar “Ah, o muleque vai se cortar/queimar e a Mãe não vai deixar ele continuar ali. Vão brigar, ele vai falar verdades; acabou o lar doce lar!”. Mas não... Chef é o filme mais good vibe do mundo. As coisas dão certo porque – e isso tem a ver com o último ponto – às vezes na vida, desculpe-nos Hollywood amarga e pessimista, as coisas dão certo! A felicidade (ou ao menos a tranqüilidade) é sim possível sem ter que invadir um castelo e matar um dragão. E é possível ter 2 horas de entretenimento sem este drama de "high stakes".
3 – Corte a gordura
Existe uma minutagem ideal para cada elemento de trama que acontece num filme, cada beat, como chamamos. Apesar de termos estimativas, às vezes uma cena sai mais curta ou mais longa do que o previsto e de repente você se vê cortando coisas para que as peças encaixem melhor, sua história como um todo tenha um ritmo mais adequado e os espectadores se engajem nela. Em Chef o primeiro ato é looongo... a aventura começa com quase uma hora de filme! Tem movimentos repetidos (bastava a primeira crítica negativa)... mas funciona mesmo assim. (Talvez até por isso) Você fica feliz pra caramba quando ele ta ganhando a estrada com seu food truck, se entrosando com o filho e o amigo etc. Aquela gordura, que claramente é gordura, parece dar sabor para a refeição como um todo. Oras, nem todo mundo é louco por saúde, pode se dar o luxo de comer a parte menos nutritiva, mas que faz bem ao coração!
“Então é isso? Sempre soube! Regra nada; isso é arte! Basta fumar umzinho e esperar a inspiração bater.”
Chef tem duas coisas que diminuem o peso destas três regras estruturais que, sempre que observadas, garantem engajamento do público: um incrível elenco (Dustin Hoffman, Scarlett Johanson, Robert Downey Jr., Sofia Vergara, Oliver Platt...) e comida. Sim, é pornografia pura. Mesmo que você vá “comido”, vai ficar com fome após ver o filme. Estes dois elementos “visuais” te ajudam a ficar entretido na trama – aliás, repare como ambos aparecem com mais destaque no início do filme. No segundo ato, você ainda tem um elemento meio “Road movie” de cidades americanas e seus “points” tradicionais de comida.
Você nem sempre vai poder contar com isso enquanto roteirista. Comida é universal; todo mundo gosta- pior, todo mundo precisa! Quando você estiver falando sobre, sei lá, mercado imobiliário!, terá uma porrada de gente que não vai estar nem aí pra isso ou que não vai conseguir nem fazer qualquer conexão com o que está em risco etc. As estratégias, sendo seguidas, te ajudarão a suprimir esta distância.
Este sanduíche de queijo obsceno... pqp sonho com ele até hoje
Então, o que Chef ensina – ou melhor, reitera... todo mundo sabe disso, né? - é que na arte nenhuma regra é “lei”, apenas um costume facilitador que em geral melhora sua obra. Se Chef não se preocupou com o esqueleto do filme; o tônus, os músculos estavam tão fortes que sustentaram o corpo sozinho. O tema do filme é relevante, o personagem passa por uma transformação significativa e com um final feliz tradicional em todas as áreas.
Talvez, tivesse apertado ainda mais as rédeas do storytelling, do jeito que faz com seus blockbusters (ou até mesmo com seu primeiro hit, o pequeno e ótimo "Swingers") Jon Favreau faria Chef sair de um filme indie para potencial papa-prêmio. Talvez. Mas, desculpe a milésima metáfora com comida – aliás, impressionante como a língua/cultura portuguesa é ligada à comida, não? - às vezes a liberdade de ser um food truck é muito mais interessante que os impostos que você tem que pagar quando é um restaurante 4 estrelas.
0 comentários