Hoje, diferente da premissa deste blog, venho falar com os não-roteiristas. A galera que lê o blog mas é diretor, produtor ou qualquer outra função que, em algum momento, “pensou em uma idéia” e fez (despretensiosamente ou não) seu “pitching” e ficou pensando... se isso for adiante, eu tenho direito a $$$ e crédito “criado por”/”story by”, né?
Na verdade não.
Idéia vem de ideal e ideal é não-físico. Etéreo. Tá na sua cabeça, e na sua cabeça ninguém, além de você, consegue ver. É no papel que a idéia toma forma e passa a ser minimamente tangível, pois na cabeça tudo é perfeito; é emoção e não razão. É no papel que a lógica aparece e lógica é um cock-block do caralho (redundância poética e bilíngüe). Não por acaso a palavra deriva do grego Idea ou eidea, cuja raiz etimológica é eidos – imagem(!). Algo também imaterial, lato sensu.
Tenho para mim que uma idéia é um sentimento, no máximo um conceito. A própria lei de propriedade intelectual diz isso, vedando o registro de “idéias”; a primeira instância registrável é o que chamamos de Argumento, uma espécie de “Conto” da sua idéia. O Argumento descreve o mundo, os personagens principais e a trama da sua história. Então fica claro que uma coisa é idéia, outra é a materialização desta idéia. Outras pessoas ligadas ao projeto podem até indicar a mata, mas quem a ceifa (e com isso cria, de fato, um jardim) é o Roteirista.
Já escrevi roteiros cuja idéia inicial foi uma “piada” feita por alguém envolvido com o projeto, outros um acontecimento, outros um conceito (x+y = idéia)... elas podem vir em diversos formatos, mas só viram realidade quando você, roteirista ou não, traz lá de cima e põe preto-no-branco. Ou sei lá que cor de papel e tinta você usa.
Então it bugs me quando vejo pessoas ligadas ao projeto – únicas e imprescindíveis em suas respectivas funções – querendo dividir crédito, seja por questões financeiras ou ego, sem saber de fato o que é necessário para merecer aquele crédito. É nestas doideiras que inventaram o lamentável e evidentemente inseguro crédito de “um filme de”. O filme é de todo mundo, Fera. Isso é um esporte coletivo. Você não vai conseguir realizá-lo sem a ajuda de geral. Vai escrever, produzir, dirigir, atuar, fazer o figurino, maquiar, igual um projeto de faculdade? Pois é.
A pessoa que quer pleitear crédito tem que ser mais do que palpiteiro ou engenheiro de obra pronta, porque, afinal de contas, se eles acham que “todo mundo sabe contar uma história”, eu respondo com "Idéia é idéia, todo mundo tem...". Existe um (não tão) longo caminho até um produto impresso/registrado e o papel de baliza "sim, isso é legal", "Não; muda isso" não é criativo e sim executivo. Pra fazer jus a este crédito de autoria da história tem que botar a mão na massa e cimentar de fato alguns tijolos. E tipo; fazer um argumento nem carece de tanta destreza! É escrita básica. É contar uma história da maneira menos técnica que existe; como se você estivesse contando a um amigo o que acontece no filme. Este argumento não precisa ser usado pra venda, apenas pra registro. Ainda que haja muito trabalho posterior, que, inclusive, descaracterize aquele mundo/trama, o que vai valer como Argumento inicial pra esses fins é este primeiro registro. Mas depois pode mudar à vontade, inclusive trazendo alguém, tipo um roteirista!, com destreza para tornar mais palatável aquele argumento e, depois, transformá-lo em filme.
Não existe arbitração interna de créditos aqui no Brasil; em caso de disputa tem que abrir processo judicial e aí vira aquele jogo jurídico. Então, come on... se esforçem, colegas que querem disputar crédito. É só um papelzinho! Senta, escreve algo físico, registra e depois chama a gente pra conversar, se quer ter seu nome acoplado neste crédito. É muita petulância querer, na mão grande, entrar no crédito em cima do “eu tive essa idéia”, quando “eu” fiz essa idéia.
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